Sinergia entre o Processo de Pensamento da Teoria das Restrições e o Mecanismo do Pensamento Científico – Limites e Possibilidades

Sinergia entre o Processo de Pensamento da Teoria das Restrições e o Mecanismo do Pensamento Científico – Limites e Possibilidades

Blog da Produttare

Resumo


O presente artigo tem por objetivo apresentar uma discussão crítica acerca das potencialidades de sinergia existente entre o Processo de Pensamento da Teoria das Restrições – PP da TOC – e o Mecanismo do Pensamento Científico – MPC – proposto por Shigeo Shingo. Os autores apresentam os principais limites e possibilidades de utilização conjunta das abordagens. O artigo evidencia as principais características dos dois Métodos de Identificação, Análise e Solução de Problemas – MIASPs – e destaca que ambas utilizam-se da Lógica Dialética para a estruturação dos problemas. Finalmente, o artigo mostra que não existem divergências conceituais significativas nos pressupostos utilizados pelos dois métodos. Isto sugere a possibilidade de utilização sinérgica das duas abordagens em casos práticos reais.


Palavras chave: STP, TOC, MIASP.


1. Introdução


O presente artigo pretende abordar a possibilidade de utilização sinérgica do Processo de Pensamento da Teoria das Restrições (PP da TOC) e o chamado Mecanismo do Pensamento Científico (MPC) proposto por Shigeo Shingo em seu livro “Sistemas de Produção com Estoque Zero – O Sistema Shingo de Melhorias Contínuas” (SHINGO, 1996b). Mais objetivamente, pretende verificar conceitualmente quais são os limites e possibilidades desta sinergia.


Visando atingir o objetivo explicitado no parágrafo anterior, o artigo está organizado na seguinte sequência:


i) Apresentação do Processo de Pensamento da TOC;


ii) Apresentação do Mecanismo do Pensamento Científico proposto por Shingo;


iii) Comparação crítica entre o PP da TOC e o MPC de Shigeo Shingo e;


iv) Considerações Finais.


2. O Processo de Pensamento da TOC


O Processo de Pensamento da Teoria das Restrições – PP da TOC - pode ser considerado o Método de Identificação, Análise e Solução de Problemas (MIASP) adotado na lógica mais ampla da TOC. Historicamente, o PP da TOC foi discutido pela primeira vez no livro “What is This Thing Called Theory of Constraints and How Should it be Implemented?”(GOLDRATT, 1990). Posteriormente, Goldratt (1994) apresenta o PP da TOC em seu livro “Mais que Sorte... um Processo de Raciocínio”, que é uma continuidade do livro “A Meta”.


O MIASP desenvolvida por Goldratt objetiva responder a três questões essenciais, que são as seguintes (ver Figura 1):


a) O que mudar;


b) Mudar para o que e;


c) Como provocar a mudança.

Figura 1: O Processo de Pensamento da TOC

Fonte: Autores (2002).

Conforme Alvarez (1996), a proposição central de Goldratt ao propor o PP da TOC, consiste em concentrar todos os esforços nos chamados problemas centrais (core problems), ou seja, naqueles problemas que impactam de maneira significativa o desempenho global do sistema. Segundo Dettmer (1995), muitos dos efeitos indesejáveis de um dado sistema são causados por um número muito reduzido de problemas centrais. Portanto, a solução simultânea dos problemas centrais permite garantir a eliminação dos efeitos indesejáveis.


A primeira pergunta (primeira etapa), “o que mudar”, é respondida por meio da construção da chamada Árvore da Realidade Atual e objetiva essencialmente determinar o(s) problema(s) central(is) encontrado(s) em um determinado sistema. Para que isto possa ser feito, utiliza-se do Método Científico, que está baseado na lógica de efeito-causa-efeito e em uma visão crítica objetiva da realidade em análise. Conforme Kingman (1996) este passo deve ser construído a partir de equipes, geralmente de caráter interfuncional, que objetivam analisar detalhadamente os problemas raízes (centrais). Como pontos positivos que podem ser observados a partir da construção da árvore, Kingman (1996) observa:


1) A possibilidade de proporcionar uma efetiva comunicação dos principais problemas na organização e;


2) O entendimento comum dos sistemas envolvidos.


A segunda etapa, “mudar para o que”, parte dos problemas centrais determinados pela Árvore da Realidade Atual buscando a formulação de uma solução eficaz para a eliminação dos atuais problemas que limitam o desempenho global do sistema em análise. Nesta fase as Técnicas utilizadas são:


a) Evaporação das Nuvens;


b) Árvore da Realidade Futura.


A Técnica mais criativa e também a que exige maior criatividade por parte dos integrantes do grupo que utilizam o PP da TOC é intitulada de “Evaporação das Nuvens”. Uma definição formal da técnica da “Evaporação das Nuvens” pode ser assim expressa: partindo de um determinado problema estruturado, a técnica da “Evaporação das Nuvens” motiva e/ou incentiva a verbalização dos pressupostos implícitos das posições conflituosas real ou aparentemente existentes. A técnica objetiva, através da busca sistemática de soluções criativas de mais alto nível (síntese), encontrar soluções que rompam efetivamente estes pressupostos implícitos, que levariam à adoção de soluções práticas de compromisso entre as posições antagônicas em jogo. O pressuposto da Técnica da Evaporação das Nuvens é o de que o processo de solução de problemas, ao contrário de exigir soluções de compromisso entre duas ou mais propostas em conflito, pode ser resolvido com uma solução simples de maior nível que elimine os compromissos existentes entre as duas ou mais propostas conflituosas anteriores. Ou seja, Goldratt se utiliza da Lógica Dialética. A idéia não consiste em achar soluções de compromisso entre a tese e a antítese de um determinado problema. A Técnica da Evaporação das Nuvens parte da crença de que, em todos os casos, existe a possibilidade de gerar uma síntese de maior nível do que a tese e a antítese que estão em jogo. Segundo Alvarez (1996) “a utilização da Técnica da Evaporação das Nuvens é um exercício de criatividade, no qual se busca introduzir elementos novos, capazes de invalidar os pressupostos existentes” (ALVAREZ, 1996, p. 77). Em outras palavras, existem determinados pressupostos que sustentam e/ou fundamentam tanto a tese como a antítese em jogo em um dado problema, cabendo à Técnica da Evaporação das Nuvens encontrar a(s) solução(ões) criativa(s) que permita(m) atender tanto aos pressupostos da tese como aos da antítese. As idéias que permitem alcançar esta síntese de maior nível são intituladas por Goldratt de Injeções.


Shingo (1996a) pode ser utilizado para dar um exemplo, associado à Troca Rápida de Ferramentas, da utilização do método dialético e sua relação com a Técnica da Evaporação das Nuvens. Ele propõe uma tese segundo a qual os custos globais podem ser reduzidos através do aumento do tamanho dos lotes nas operações que exigem longos tempos de preparação. Em oposição a esta idéia existe um argumento – antítese – segundo o qual tamanhos maiores de lotes resultam em um conjunto de perdas derivadas do aumento destes estoques. Aparentemente, estas duas proposições não são passíveis de conciliação sendo necessário adotar uma solução de compromisso, intermediária entre os dois argumentos, que é a lógica do lote econômico de fabricação. A injeção para este problema, que faz uma síntese de maior nível da tese e da antítese em jogo, é a de que é possível trocar as ferramentas (tempos de preparação) em um tempo muito baixo, menor do que 10 minutos. Neste caso é possível produzir lotes pequenos rompendo os pressupostos que estavam por detrás do “aparente conflito” e que levam à adoção de uma solução de compromisso.


A partir das injeções propostas, que devem ser eficazes para garantir a efetividade nas soluções adotadas, é construída a chamada Árvore da Realidade Futura que parte, também, de uma lógica do tipo efeito-causa-efeito buscando deixar claro onde se deseja chegar com as injeções propostas pela Técnica da Evaporação das Nuvens. Ou seja, a Árvore da Realidade Futura é construída a partir das injeções propostas na fase anterior do método. A Árvore da Realidade Futura, em síntese, objetiva proporcionar uma visualização de como será o futuro do sistema analisado, caso sejam colocadas em prática as injeções propostas.


A terceira etapa do método objetiva responder a questão do como provocar a mudança. Nesta etapa são utilizadas em seqüência duas técnicas básicas:


a) Árvore dos Pré-Requisitos e;


b) Árvore de Transição.


Nesta etapa a idéia consiste em propor um plano capaz de alterar a realidade, o que só é possível de concretizar se forem realizadas ações objetivas no sentido da mudança.


A técnica da Árvore de Pré-requisitos é utilizada no processo de desdobramento da Injeção. Através da sua utilização são levantados os objetivos intermediários que precisam ser atendidos, de forma a implantar a Injeção. Goldratt (1993) afirma que a Árvore de Pré-requisitos apóia-se na capacidade que as pessoas têm de colocar obstáculos a qualquer ação. Essa capacidade deve ser utilizada de forma positiva, isto é, essa capacidade crítica deve ser usada para apoiar o método, e não servir como restrição inercial à utilização das técnicas. Também na construção da Árvore de Pré-requisitos é empregada a lógica efeito-causa-efeito. Conforme Mackness, Bowles & Rodrigues (1995), a construção da Árvore de Pré-requisitos tem início a partir das Injeções e dos obstáculos esperados durante sua implantação; cada obstáculo gera um objetivo intermediário suficiente para superá-lo.


A Árvore de Transição associa a cada objetivo intermediário, uma ação a ser executada. A construção da Árvore de Transição é, na verdade, a montagem do plano de ação que leva à solução do problema, com o desaparecimento dos Efeitos Indesejados. A espinha dorsal da Árvore de Transição é a descrição da mudança gradual que deve ocorrer na realidade e das ações necessárias para que essa mudança vá ao encontro dos objetivos. O nome desta técnica vincula-se à transição de uma realidade problemática para uma realidade na qual os Efeitos Indesejados foram substituídos por Efeitos Desejados.


Posteriormente utiliza-se a Técnica da Árvore de Transição que, essencialmente, “associa a cada objetivo intermediário, uma ação a ser executada” (ALVAREZ, 1996, p.86). Em outras palavras, a Árvore de Transição é responsável pela montagem dos planos de ação objetivos que devem, ao menos teoricamente, levar à eliminação das causas raízes dos problemas.


Goldratt (1990) acredita que as ciências passam por três estados evolutivos: descrição, correlação e efeito-causa-efeito. O processo de pensamento da TOC seria, então, o estágio mais avançado da administração enquanto ciência. Toda a lógica do processo de pensamento da TOC é baseada na utilização de relações do tipo efeito-causa-efeito, onde o que se procura saber é porque as coisas acontecem, e não como elas acontecem. A análise com base nos relacionamentos efeito-causa-efeito se constitui na única técnica exeqüível que se conhece para identificar restrições, especialmente no que concerne a restrições políticas (GOLDRATT, 1990). O objetivo final do método é a elaboração de um plano de ação consistente, capaz de garantir a extinção dos problemas centrais (“core problems”), a partir da efetiva implantação da solução. Para que isso seja possível o método utiliza um conjunto de técnicas específico para cada uma das três etapas – “O que mudar?”, “Mudar para o quê?” e “Como causar a mudança?”.


A Figura 2 apresenta as etapas, e as técnicas correspondentes, em que se desdobra o Processo de Pensamento da TOC.

Figura 2: Etapas e Técnicas do Processo de Pensamento da TOC

Fonte: Autores (2002).

Uma análise crítica da proposição e da utilização do Processo de Pensamento da TOC permite evidenciar os seguintes tópicos:


• O Processo de Pensamento da TOC apresenta um caráter qualitativo baseado em fatos da realidade, utilizando o Método Científico para busca sistemática da estruturação, identificação, análise e solução dos problemas. É possível que, em um certo número de casos, seja necessário aliar, às conjecturas das relações de efeito-causa-efeito proposto pelo grupo envolvido, fatos quantitativos derivados dos fenômenos empíricos observados na prática das Empresas;


• Conforme Noreen et alli, “as árvores de consenso pareceram funcionar em algumas Empresas e não em outras” (Noreen et alli, 1996, p. 56). Na realidade, as árvores de consenso são as cinco técnicas que formam o Processo de Pensamento da TOC. Os autores deste trabalho sugerem que isto possa ocorrer em virtude dos Paradigmas, Conceitos e Técnicas que se constituem nos pressupostos básicos para a construção e estruturação dos problemas. Caso as pessoas do grupo trabalhem tendo como pressupostos diferentes Paradigmas, o que constitui um problema para uma pessoa, por exemplo, a existência de grandes lotes de produção, pode simplesmente não se constituir em um problema para outra, que parte de um pressuposto distinto, segundo o qual a existência de grandes lotes se constitui em um grave empecilho para a melhoria da Qualidade e da Produtividade na Empresa. Ou seja, as árvores são construídas a partir dos paradigmas professados pelos participantes do grupo. A partir deste fundamento são constituídas Teorias pois, como diz Deming, é impossível construir o conhecimento sem a existência prévia de uma Teoria. Esta discussão sugere a necessidade de desenvolver uma ampla apreciação teórica sobre a TOC e o STP, que deve preceder a construção das árvores propostas pelo Processo de Pensamento da TOC;


• Um aspecto importante no desenvolvimento do Método consiste em utilizar a máxima precisão conceitual possível. Isto assegurará um efetivo de compartilhamento do conteúdo das relações de efeito-causa-efeito com os membros do grupo.


• As árvores constituem-se em um mecanismo eficaz para a construção do consenso sobre os problemas existentes, suas causas raízes e as proposições para a solução dos mesmos, o que é catalisado pela existência de um paradigma comum entre os participantes. Servem, também, como dispositivos eficazes no sentido de comunicar às demais pessoas os conhecimentos gerados durante o processo de elaboração do trabalho.


• As técnicas das diversas fases do PP da TOC podem ser utilizadas individualmente com resultados satisfatórios (NOREEN et alli, 1996). Como técnicas individuais, a Árvore da Realidade Atual e a Evaporação das Nuvens são as mais utilizadas. A Árvore da Realidade Atual pode servir para estabelecer, de forma sistêmica e rápida, os principais problemas de uma dada atividade genérica. A Evaporação das Nuvens é uma técnica que, utilizando a criatividade e o pensamento dialético, permite obter boas soluções a partir de situações conflituosas que aparentemente exigiriam soluções intermediárias de compromisso.


• A questão da auditoria das diferentes árvores é, também, um tema relevante. Uma vez construída a árvore pelos atores envolvidos (grupo de trabalho), o processo de validação que se segue é muito importante. Isto é relevante na medida em que pode haver um vício de origem na constituição do grupo de trabalho, não levando em conta todas as visões possíveis do problema. Sendo assim, é essencial que, após o uso das diferentes técnicas deste método, seja levado adiante uma auditoria independente por pessoas que conheçam os problemas levantados e que não tenham participado diretamente do processo de trabalho.


3. O Mecanismo do Pensamento Científico – MPC


Pode-se dizer que Shigeo Shingo e Taiichi Ohno, precursores do Sistema Toyota de Produção, tiveram uma ampla percepção da necessidade da utilização do Método Científico para ampliar a eficácia das melhorias nos Sistemas de Produção. Ohno propõe no Capítulo 2 de seu livro “O Sistema Toyota de Produção: Para Além da Produção em Larga Escala” a utilização ampla da abordagem científica no trabalho, exemplificando com a utilização da lógica dos Cinco Por Quês. Segundo Ohno, “O Sistema Toyota de Produção tem sido construído com base na prática e na evolução desta abordagem científica” (OHNO, 1997, p.37). O sentido do questionamento sistemático do “por quê” das coisas consiste em “chegar à verdadeira causa do problema que, geralmente, está escondida atrás dos sintomas mais óbvios” (OHNO, 1997, p. 38).

No entanto, uma formalização mais ampla da preocupação com a utilização do Método Científico na produção pode ser encontrada na obra de Shigeo Shingo intitulada Mecanismo do Pensamento Científico – Scientific Thinking Mechanism (SHINGO, 1987, 1996b). O propósito da abordagem criada por Shigeo Shingo – o MPC – consiste em “fornecer um método sistemático, único e abrangente para o desenvolvimento de melhorias” (SHINGO, 1996b, p. 71). A construção do Método apóia-se, de forma semelhante ao já exposto por Ohno, no Método Científico, incluindo aí o pensamento dialético, e na ampla experiência de Shingo na prática da Identificação, Análise e Solução de problemas reais. Conforme Shingo (1996b) qualquer tipo de melhoria significativa e realista deve seguir um determinado fluxo/lógica de pensamento que inclui os seguintes pontos:


i) Observação dos fatos;


ii) Formulação de idéias;


iii) Julgamento;


iv) Sugestão e;


v) Execução.


De um ponto-de-vista prático Shingo sugere no MPC cinco estágios lógicos para elaborar melhorias significativas na organização. Estes cinco passos são (SHINGO, 1996b):


• Estágio preliminar: Identificar as melhores maneiras possíveis de pensar o problema;


• Estágio 1: Identificação dos problemas;


• Estágio 2: Abordagens conceituais básicas para efetivar as melhorias;


• Estágio 3: Planejamento para as melhorias;


• Estágio 4: Transformando os planos em realidade.


O estágio preliminar baseia-se essencialmente nos chamados Princípios de Classificação de Problemas, ou seja, as “maneiras básicas de se distinguir uma coisa das outras” (SHINGO, 1996b, p. 74). O objetivo central da etapa consiste em entender e simplificar o entendimento do problema da melhor maneira possível, o que é facilitado através da utilização de uma lógica geral de estratificação do mesmo (ALVAREZ, 1995). Shingo (1996b) também propõe que se observe existência de quatro possibilidades de inter-relação entre as coisas:


i) Causa e Efeito;


ii) Oposição;


iii) Similaridade e;


iv) Proximidade.


O Estágio 1 parte de duas noções centrais:


a) a ótica das Perdas/Desperdícios nos Sistemas Produtivos e;


b) a atitude diante do processo de identificação de problemas.


Segundo Shingo “existem muitos exemplos de desperdício no local de trabalho, mas nem todo o desperdício é óbvio. Ele freqüentemente aparece disfarçado de trabalho útil. Devemos enxergar abaixo da superfície e captar a essência” do fenômeno (SHINGO, 1996b, p. 79). Conforme Alvarez (1995) é preciso observar que esta visão foi construída a partir da idéia de que caracterizar os problemas nos Sistemas Produtivos relaciona-se diretamente com perceber e identificar com clareza as Perdas na Empresa. Quanto à problemática da atitude, Shingo postula que “o verdadeiro problema é pensar que não há problemas” (SHINGO, 1996b, p. 79). O autor propõe que para identificar problemas, as pessoas devem estar insatisfeitas com o desempenho atual de uma determinada situação, ou seja, insatisfeitos com o status quo. Sendo assim, “nunca estar satisfeito e sempre procurar por maneiras de fazer melhor as coisas são requisitos fundamentais para descobrir os problemas” (SHINGO, 1996b, p.80).

O Estágio 2 pode ser sintetizado como a parte referente à análise do MPC. Segundo Alvarez (1995) dois pontos devem ser levados em consideração:
a) o entendimento da realidade e;
b) o estabelecimento de metas para o processo de melhorias contínuas e sistemáticas.
O processo de entendimento, no cerne do pensamento desenvolvido por Ishikawa para a prática do controle de qualidade no Japão, deve partir do status quo que só pode ser compreendido a partir dos dados e fatos envolvidos no fenômeno em observação. É preciso aqui evitar ao máximo qualquer tipo de subjetividade associada ao fenômeno estudado. Shingo apresenta algumas técnicas e princípios que possibilitam um melhor entendimento dos fenômenos, quais sejam:


a) O Mecanismo da Função Produção (Análise dos Processos e das Operações);


b) Os conceitos de Tempos e Métodos em análise das operações desenvolvidos pelo casal Gilbreth e por Taylor;


c) Os Gráficos de controle para analisar o status quo da qualidade;


d) As Curvas ABC e;


e) O método do 5W1H.


A apresentação do 5W1H por Shingo é clara e possui um conteúdo estratégico. O ‘quê’ é o objeto da análise. O ‘quem’ é o sujeito. A partir de uma relação entre o ‘quê’ e o ‘quem’, define-se o método a ser adotado, ou seja, ‘o como’. A partir da definição do ‘como’ define-se o espaço – ‘onde’ e o tempo ‘quando’. O ‘por quê’ sempre questiona o objetivo da análise do fenômeno. Neste sentido, deve-se perguntar continuamente o ‘por quê’ do ‘quê’, do ‘quem’, do ‘como’, do ‘onde’ e do ‘quando’. Outra importante questão que os autores deste trabalho pretendem deixar claro é que, na proposição de Shingo, torna-se claro a relação hierárquica entre o ‘know-why’, ‘know-what’ e o ‘know-how’. Estrategicamente, o saber ‘por quê’ é uma questão hierarquicamente superior, ou seja, estrategicamente mais relevante, do que o saber ‘o quê’ fazer, que, por sua vez, é hierarquicamente superior ao saber ‘como fazer’.


O estabelecimento de metas implica definir o que significam as melhorias, ou seja, a mudança para ‘melhor’ (SHINGO, 1996b). Torna-se necessário definir o que significa ‘melhor’ (SHINGO, 1996b). Conforme Shingo (1996b) existem quatro finalidades essenciais que permitem especificar com clareza o significado das melhorias, a saber:


i) mais fácil;


ii) mais qualidade;


iii) mais rápido e;


iv) mais barato.


Portanto, as metas devem ser visualizadas de forma a levar em consideração três eixos de análise. Esta busca tridimensional das metas envolve (SHINGO, 1996b):


a) Metas do tipo X – neste caso deve-se focar no objetivo a ser alcançado no problema específico em análise;


b) Metas do tipo Y – neste caso é preciso observar que fenômenos que parecem constituírem-se de um único problema, na verdade, são constituídos de vários problemas. Sendo assim, busca-se o atingimento de múltiplas metas e;


c) Metas do tipo Z – na verdade, a maior parte dos problemas são complexos, envolvendo uma longa cadeia e inter-relações de fins e meios, ou seja, relações do tipo efeito-causa-efeito. A maior parte das questões envolvendo as Perdas nos Sistemas Produtivos devem ser analisadas do ponto-de-vista de metas do tipo Z, que são metas sistemáticas que implicam uma elevação contínua do nível de exigência para a solução do problema analisado.


O Estágio 3 envolve um conjunto de etapas seqüenciais que são (SHINGO, 1996b):


i) observação dos problemas;


ii) formulação de idéias;


iii) avaliação das idéias e;


iv) apresentação da proposta.


Um ponto central nesta etapa consiste em separar radicalmente as fases de observação/formulação e formulação/avaliação de idéias. Especialmente importante é a separação entre formulação/avaliação de idéias para que se possa garantir que a apresentação criativa das idéias não seja embaçada/inibida pelas críticas provenientes do julgamento das mesmas. Na fase de observação torna-se necessário que o grupo de trabalho envolva-se diretamente com os problemas.


Esta fase deve dar condições para a geração de insights sobre os problemas abordados. Na fase de formulação das idéias é necessário “pensar formas melhores de se executar um trabalho” (SHINGO, 1996b, p. 113). Shingo (1996b) propõe como idéia central à utilização da noção de “associação de idéias”, dividida em 4 tipos:


a) associação causal;


b) associação de opostos;


c) associação por semelhanças e;


d) associação por proximidade.


Segundo Shingo (1996b) o processo de formulação de idéias consiste na transformação das mesmas a partir de experiências do passado sendo que, para isso, a lógica da associação é muito relevante. Segundo Alvarez (1995), Shingo propõe, na etapa de formulação de idéias, uma visão baseada na Lógica Dialética, ou seja, “quando da apresentação de duas idéias conflitantes, deve-se procurar a síntese destas, o que exigirá um compromisso, ao mesmo tempo que representa uma melhoria”, porém, de forma geral “a idéia que representa esta síntese desafia os pressupostos assumidos” anteriormente no conflito (ALVAREZ, 1995, p. 181). O julgamento, em contraposição à criatividade necessária na etapa de formulação de idéias, “restringe a criatividade e tenta comprometer-se com as limitações impostas pelas condições reais” (SHINGO, 1996b, p. 135). Na fase de julgamento das idéias surgirão objeções (resistências) a estas idéias. Elas deverão ser cuidadosamente analisadas. No contexto da avaliação das idéias deve ser feita uma análise econômico-financeira das idéias em jogo, o que permitirá que a proposta seja apresentada às pessoas da forma mais objetiva possível.


O Estágio 4 implica, em sua essência, vencer as resistências impostas por fatores tais como:


i) a força arraigada dos hábitos do passado;


ii) a falta de motivação e envolvimento das pessoas e;


iii) a não compreensão das propostas elaboradas.


Para isso Shingo propõe o trabalho em grupo em todas as fases do MPC e o atingimento, durante o processo de Identificação e Análise, do consenso das idéias que deverão ser implantadas.

4. O Processo de Pensamento da TOC e o Mecanismo do Pensamento Científico de Shigeo Shingo – Uma Comparação Crítica


Quanto à abordagem de Identificação, Análise e Solução de Problemas pode-se dizer que as concordâncias centrais do PP da TOC e do MPC de Shigeo Shingo são:


• Utilização de um embasamento científico comum através de relações do tipo efeito-causa-efeito;


• Utilização de um pensamento dialético para a solução de problemas, ou seja, um pensamento que rejeita soluções de compromisso para a solução de problemas (NOREEN et alli, 1995). Esta lógica é bem conhecida na obra de Goldratt por meio da Técnica da Evaporação das Nuvens. Todavia, Shingo faz também uso intensivo deste recurso em seus trabalhos. Shingo (1996a) explicita no posfácio do seu livro Sistema Toyota de Produção esta linha muito importante de raciocínio, dizendo “... Vamos supor que uma sugestão (tese) seja proposta visando reduzir os estoques, na forma de que as entregas ocorram quatro vezes ao dia. O argumento oponente a essa sugestão (antítese) diz que entregas mais freqüentes irão reduzir a eficiência no carregamento dos caminhões. Debater estes argumentos com a mesma lógica levará apenas a contradição e oposição – e não se chegará a nenhuma conclusão”, no entanto, “de uma perspectiva mais ampla as vantagens de ambas as propostas podem ser combinadas em uma síntese obtida pela superação dos dois argumentos em jogo. Por exemplo, os caminhões poderiam carregar quatro cargas mistas ao dia, fazendo as rotas de várias empresas e recolhendo uma carga parcial em cada uma delas. Este arranjo preservaria tanto a eficiência do carregamento dos caminhões como possibilitaria a redução dos estoques” (SHINGO, 1996a, p.269). É precisamente este tipo de pensamento dialético que pode ser utilizado para atacar de forma sistemática as eventuais oposições existentes entre a TOC e o STP. Shingo também defende no seu método a contestação do status quo, conforme o depoimento de Alvarez (1995, p. 182) “uma avaliação de idéias segundo uma postura dialética, a qual advoga ser propícia ao surgimento de conceitos inovadores”.


• Tanto o PP da TOC, quanto o MPC postulam a necessidade de construir soluções passíveis de serem implantadas (ALVAREZ, 1995). Goldratt (1990) sugere a utilização do método socrático enquanto o MPC propugna a construção de soluções consensuais utilizando-se grupos de trabalho e, também, com o convencimento dos participantes valendo-se, quando possível, de exemplos práticos.


• A importância de vencer a inércia para a implantação das novas idéias é considerada um tema central tanto no PP da TOC como no MPC.


Algumas considerações adicionais podem ser feitas levando-se em conta o grau de abrangência de utilização do PP da TOC e do MPC de Shigeo Shingo. É o que se discute a seguir.


O MIASP proposto pela TOC é muito mais amplo, sistêmico e melhor estruturado do que a proposição de Shingo. No entanto, não existem divergências conceituais nos pressupostos utilizados pelos dois métodos, implicando a possibilidade de uso sinérgico dessas abordagens.


Alvarez (1995) sugere que o PP da TOC possa ser mais adequado para a solução de problemas mais complexos que exigem um maior grau de estruturação, enquanto o MPC apresentaria vantagens para soluções de problemas típicos ligados a Administração/Engenharia da Produção, dado que o MPC é estruturado de forma mais flexível, o que pode permitir encontrar soluções mais ágeis em certos casos. Os autores do presente trabalho pensam de igual maneira. Por exemplo, problemas bem estruturados e que se repetem no dia-a-dia (por exemplo, Preparação de Máquinas), podem ser muito mais rapidamente resolvidos utilizando-se de técnicas específicas que compõe o MPC (por exemplo, o Método de Troca Rápida de Ferramentas desenvolvido por Shingo). Assim, é importante compreender que diferentes tipos de problemas podem exigir diferentes abordagens. No entanto, e esta é a defesa central deste artigo, em todos os casos, a utilização do PP da TOC e do MPC valendo-se de uma lógica dialética, o que permite sugerir que sua utilização em conjunto deve ser continuamente estimulada.


5. O Caso das Concessionárias de Automóveis


De forma a comprovar a robustez da aplicação sinérgica do PP da TOC e o MPC proposto por Shingo, apresentar-se-á o caso das concessionárias de automóveis.


Na dissertação de Leis (2002), verifica-se a utilização da Árvore da Realidade Atual (do PP da TOC) bem como a técnica dos Cinco Por Quês (do MPC proposto por Shingo) de forma sinérgica para desenvolver um método de melhoria para os processos produtivos das oficinas mecânicas de concessionárias de automóveis autorizadas brasileiras das marcas Fiat, Volkswagen, General Motors e Toyota.


Com a construção da Árvore da Realidade Atual (ARA), Leis (2002) verificou que os problemas enfrentados no processo das oficinas mecânicas das concessionárias pesquisadas eram similares. O principal efeito indesejado nos casos estudados era a diminuição da competitividade da oficina mecânica. Leis (2002) classificou os efeitos indesejados principais em:


i) independentes (aqueles em que a empresa não tem como eliminar pois não pode controlá-los);


ii) internos (aqueles em que a empresa só depende do seu trabalho para minimizar ou até mesmo eliminar os efeitos indesejados) e;


iii) externos (aqueles em que a empresa tem que trabalhar em conjunto com a sua fábrica para poderem tentar minimizar ou eliminar os efeitos indesejados).


Os resultados desta pesquisa podem ser verificados na Tabela 1.


Tabela 1: Efeitos Indesejados Principais das Oficinas Mecânicas Brasileiras

Fonte: Leis (2002).

Posteriormente, Leis (2002) aplicou a técnica dos Cinco Por Quês no sentido de levantar idéias e soluções que minizassem ou eliminassem os Efeitos Indesejados Principais (também conhecidos como causas raízes), principalmente os internos, pois eram mais fáceis de serem implementados.


Na Tabela 2, apresenta-se um modelo aplicado no caso da marca Volkswagen da técnica dos Cinco Por Quês.


Tabela 2: Aplicação da técnica dos Cinco Por Quês na concessionária da marca Volkswagen

Fonte: Leis (2002).

A partir das sugestões de melhoria geradas pela técnica dos Cinco Por Quês para a solução dos efeitos indesejados identificados pela ARA no processo produtivo para serviços rápidos (serviços com menos de uma hora de execução) da oficina mecânica do caso Volkswagen, pode-se redesenhar este processo. Depois de implementadas as sugestões de melhoria, o processo ficou mais enxuto e proporcionou um maior poder de agregação de valor (reduziu-se de dezessete operações para apenas nove), tanto para a empresa quanto para seus clientes.
Assim, a sinergia da utilização da ARA e da técnica dos Cinco Por Quês aplicados de forma sinérgica trouxe um maior poder de competitividade para os processos da oficina mecânica da concessionária da marca Volkswagen.


6. Considerações Finais

Os autores do presente trabalho desenvolveram o referencial teórico buscando apresentar os princípios de sustentação do Processo de Pensamento da TOC e do Mecanismo do Pensamento Científico – MPC – como forma de evidenciar estas abordagens como Métodos de Identificação, Análise e Solução de Problemas – MIASPs. Os principais pontos característicos de cada abordagem são discutidos com a finalidade de alcançar uma comparação crítica acerca da utilização sinérgica de ambas abordagens.
O artigo busca apresentar os principais pontos de concordância no que tange a utilização sinérgica do Processo de Pensamento da Teoria das Restrições e do Mecanismo do Pensamento Científico. Resumidamente, os seguintes pontos podem ser sublinhados, os quais viabilizam a implementação sinérgica do PP da TOC e do MPC proposto por Shigeo Shingo:


i) embasamento científico comum;


ii) pensamento dialético;


iii) soluções passíveis de serem implementadas e;


iv) combate contra a inércia.


Desta forma, o artigo parece contribuir para uma posterior aplicação prática dos Métodos de Identificação, Análise e Solução de Problemas, tendo como base o PP da TOC e o MPC proposto por Shingo, como mecanismos de alavancagem de melhorias significativas nas organizações.


7. Referências Bibliográficas


ALVAREZ, R. R. (1995). Apresentação e Análise Comparativa do Processo de Pensamento da TOC e do Mecanismo do Pensamento Científico. Anais do XIX Encontro da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Administração, João Pessoa.


ALVAREZ, R. R. (1996). Desenvolvimento de uma Análise Comparativa de Métodos de Identificação, Análise e Solução de Problemas. Porto Alegre, PPGEP/UFRGS. (Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção).


DETTMER, H. W. (1995). Eliyahu M. Goldratt – The Theory of Constraints: A Systems Approach to Continuous Improvement. Institute of Safety and System Mangement.


GOLDRATT, E. M. (1990). What Is This Thing Called Theory of Constraints and How It Should Be Implemented? New York, North River Press.


GOLDRATT, E. M. (1994). Mais que Sorte ... Um Processo de Raciocínio. Editora Educator, São Paulo.


GOLDRATT, E. M. & COX, J. F. (1986). A Meta. Editora do IMAM, São Paulo.


KINGMAN, O. (1996). The Thinking Processes and Effective Problem Solving. In: Make Common Sense a Common Practice. Proceedings do 1996 APICS Constraint Management Symposium and Technical Exhibit, april 17-19, p.110-116, Detroit, MI.


LEIS, R. P. (2002). Método de Melhoria para Processos Produtivos de Oficinas Mecânicas de Concessionárias de Automóveis Brasileiras - Uma Abordagem a partir da Produção Enxuta/Sistema Toyota de Produção e da Teoria das Restrições. São Leopoldo, PPGA/UNISINOS. (Dissertação de Mestrado em Administração).


MACKNESS, J. R., BOWLES, J. & RODRIGUES, L. H (1995). A Thinking Process for Managing Change. Lancaster, England.


OHNO, Taiichi. (1997) – O Sistema Toyota de Produção – Além da produção em larga escala. Editora Bookman. Porto Alegre.


SHINGO, Shigeo. (1996a) – O Sistema Toyota de Produção – Do ponto de vista da engenhara de produção. Editora Bookman. Porto Alegre.


SHINGO, Shigeo. (1996b). Sistema de Produção com Estoque-Zero: O Sistema Shingo para Melhorias Contínuas. Porto Alegre, Editora Bookman.

chamar no WhatsApp
chamar no WhatsApp
Comercial Produttare www.produttare.com.br Online
Fale com a gente pelo WhatsApp
×