As Duas Vidas do Sistema Kanban – Uma Interpretação Crítica

As Duas Vidas do Sistema Kanban – Uma Interpretação Crítica

Blog da Produttare

Autores

José Antonio Valle Antunes Júnior (UNISINOS) junico@produttare.com.br
Marcelo Klippel (UNISINOS) marcelo@klippel.com.br

Resumo


O presente artigo tem por objetivo apresentar uma análise interpretativa e proporcionar uma discussão crítica acerca dos significados do Sistema Kanban. Os autores buscam demonstram e analisar os dois principais pontos de vista, aparentemente contraditórios, em relação ao tema: i) A proposição de Taiichi Ohno; ii) A visão de Shigeo Shingo. A partir de então, é desenvolvida uma ampla análise no sentido de situar o leitor em relação ao real sentido dos pontos de vistas sobre o Sistema Kanban.

São construídos dois conceitos sobre o tema: i) Kanban Estrito; ii) Kanban Amplo. Desta forma, os autores buscam esclarecer as funções de ambos os conceitos do prisma da gestão, ou seja, o Sistema Kanban como Gestão de Melhorias na Fábrica e o Sistema Kanban como Gestão das Rotinas da Empresa.

Palavras chave: Kanban, Gestão, Toyota.

1. Introdução


No início da década de 50, Taiichi Ohno visitou várias empresas norte-americanas de automóveis, entre as quais a General Motors e a Ford. Durante estas viagens aos EUA, o que mais o impressionou foi o funcionamento dos supermercados americanos (Ohno, 1997). Ohno comprova o interesse pelos supermercados americanos em sua obra: “No final da década de 40, na oficina da Toyota que eu gerenciava, já estávamos estudando os supermercados americanos e aplicando seus métodos ao nosso trabalho” (Ohno, 1997, p.45). Basicamente, Ohno (1997) estabeleceu uma relação entre a lógica de funcionamento dos supermercados e o sistema Just-In-Time. Conforme Ohno: “Um supermercado é onde um cliente pode obter (1) o que é necessário, (2) no momento em que é necessário, (3) na quantidade necessária.” (Ohno, 1997, p.45).

Desta maneira, ele observa que a partir do supermercado a equipe da Toyota passou a utilizar a lógica segundo a qual “o processo final (cliente) vai até o processo inicial (supermercado) para adquirir as peças necessárias (gêneros) no momento e na quantidade em que precisa” (OHNO, 1997, p. 45).

Ohno e sua equipe percebiam os conceitos desenvolvidos nos supermercados americanos como essenciais para que a Toyota caminhasse no sentido da produção Just-In-Time. Em 1953, a Toyota iniciou a implantação do sistema baseado no supermercado via o método da “tentativa e erro”. Este sistema “mais tarde foi chamado de Sistema Kanban.” (OHNO, 1997).

A implantação global do Sistema Kanban, internamente na Toyota, só foi completada no ano de 1962. A partir deste esforço de quase 10 anos para implantar o Kanban Interno, Taiichi Ohno e sua equipe inicializaram um esforço no sentido de desenvolver o Sistema Kanban junto aos seus fornecedores. Embora com diferentes velocidades de implantação, as empresas fornecedoras foram assimilando e praticando ao longo do tempo as entregas Just-In-Time para a Toyota. Conforme Ohno (1997), a entrega Just-In-Time por parte dos fornecedores externos ocorreu processualmente, levando quase 20 anos para completar-se no caso da Toyota.

Levando em consideração os aspectos históricos brevemente relatados acima, o presente artigo tem por objetivo elaborar uma análise crítica do Sistema Kanban à luz de uma ótica de gestão. Para isso irá desdobrar-se na seguinte ótica geral: i) Apresentação das Regras do Kanban; ii) Análise e discussão crítica acerca dos significados do Sistema Kanban; iii) Discussão crítica em relação ao significado (Kanban Amplo e Kanban Estrito) de interdependência no contexto do STP e Subsistemas de Gestão; iv) Considerações Finais.

2. As Seis Regras do Kanban


Para compreender em profundidade o Sistema Kanban, Taiichi Ohno (1997) propôs um conjunto de 6 funções/regras básicas. A seguir estas regras serão expostas e brevemente comentadas.

• Função/Regra 1 do Kanban - O processo subseqüente vem retirar do processo precedente as peças e materiais necessários nas quantidades necessárias. Esta é a regra básica do Kanban e conforme Ohno “nasceu da necessidade de olhar as coisas pelo avesso” (OHNO, 1997, p. 48). Trata-se de colocar em prática a noção de ‘puxar’ a produção, ou seja, enquanto o fluxo de informações responsável pela definição de ‘o que’, ‘quando’ e ‘quanto’ produzir ocorre na direção do mercado para as matérias-primas o fluxo físico ocorre, obviamente, das matérias-primas para o mercado. Como já discutido anteriormente tratou-se de implantar a noção conceitual proveniente dos supermercados na fábrica.

• Função/Regra 2 do Kanban - O processo precedente produz itens na quantidade e na seqüência indicada pelo Kanban. Esta Regra 2 é uma extensão da Regra 1, e postula que o próprio processo deve restringir seu inventário a um mínimo absoluto. Para que esta regra possa ser colocada em prática “a força de trabalho e os equipamentos, em cada processo de produção, devem estar preparados, em todos os aspectos, para produzir as quantidades necessárias no momento necessário” (OHNO, 1997, p. 53).

• Função/Regra 3 do Kanban - Impedir a superprodução e os transportes excessivos. Nenhum item deve ser, sob hipótese alguma, produzido ou transportado sem a presença de um Kanban. Ou seja, todos os planos de Programação e Controle da Produção – PCP serão efetivados via a utilização do Kanban, não sendo permitido nenhum tipo de intervenção no sistema produtivo que não seja respaldado pelo sistema de informações operacionalizado pelo Kanban. Segundo Moura “ninguém (exceto o coordenador) está autorizado a emitir ou introduzir no sistema mais Kanbans” (MOURA, 1992, p. 70). As Perdas por Superprodução são consideradas as “inimigas Número 1” para a implantação de Sistemas de Produção com Estoque-Zero, na medida em que auxiliam a esconder outras Perdas (por exemplo, Perdas por Fabricação de Produtos Defeituosos, Perdas no Transporte, Perdas por Espera). Sendo assim, esta regra do Kanban visa impedir de forma rigorosa qualquer tipo de superprodução entre os postos de trabalho.

• Função/Regra 4 do Kanban - O Kanban deve funcionar como uma ordem de fabricação afixado diretamente nos itens (mercadorias). Como já dito anteriormente, o Kanban deve conter as informações necessárias para que seja feita a fabricação.

• Função/Regra 5 do Kanban - Produtos com defeito não devem ser enviados ao processo seguinte. Esta regra é importante na medida em que os itens devem ser enviados aos processos seguintes, não só na quantidade exigida (Regra 2), mas também com a qualidade especificada. Conforme Moura “se algum item com defeito for descoberto pelo processo subseqüente ele paralisará sua linha de produção, porque não possui nenhuma unidade extra em seu inventário” (MOURA, 1992, p. 74). Desta forma, a implantação com sucesso do Sistema Kanban é dependente da adoção de medidas eficazes no que tange à garantia da qualidade dos produtos. Neste ponto existe uma forte ligação do Sistema Kanban com o Subsistema de defeito-zero. Sendo assim, é desejável que “as máquinas parem automaticamente quando produzirem defeitos” e que os operários “parem suas operações” quando detectarem defeitos (JPA, 1989, p.87). É precisamente neste ponto que os conceitos de Autonomação e de Controle de Qualidade Zero-Defeitos devem apoiar de forma efetiva a implantação do Sistema Kanban.

• Função/Regra 6 do Kanban - O número de Kanbans deve ser continuamente reduzido para aumentar a sensibilidade aos problemas existentes. É sabido que os estoques existentes acobertam diferentes tipos de problemas na produção. A idéia de manter minimizado e reduzir o número de Kanbans necessários objetiva estabelecer um processo de melhorias contínuas nos Sistemas Produtivos. Sempre que o número de Kanbans é reduzido e, por conseqüência estoques são eliminados, problemas de diversas ordens (por exemplo, métodos de trabalho inconsistentes, tempos de preparação elevados, etc.) tendem a ocorrer. A função da supervisão e da gerência consiste em procurar estabilizar os Sistemas Produtivos no novo patamar de estoques adotado. Para isso torna-se imprescindível atacar a raiz dos problemas, o que implica em atuar nos pontos dos Sistemas Produtivos onde eles ocorrem.

Partindo destas 6 Regras explicitadas no livro de Taiichi Ohno, na seqüência os autores deste trabalho propõem ma interpretação críticas das mesmas. As denominações – Kanban Amplo e Kanban Estrito – foram propostas pelo autores do trabalho para fins didáticos e de análise crítica do Kanban. Estes conceitos são apresentados a seguir.

3. Os Possíveis Significados: as duas vidas do Sistema Kanban

 

Moura (1992) observa a importância de compreender os diferentes significados do Kanban.  Segundo Moura (1992) são dois os principais significados do Kanban: “1- Um sistema de controle do fluxo de material ao nível da Fábrica (Kanban Interno) e que pode-se estender, em alguns casos, ao controle do material distribuído ou recebido de fornecedores (Kanban Externo); 2- Um sistema para melhorar a produtividade, mudando-se o equipamento, os métodos de trabalho e as práticas de movimentação de material, que usa o sistema de controle de materiais por cartões (Kanbans) para identificar as áreas com problema e avaliar os resultados da mudança” (Moura, 1992, p. 26).

Em seu primeiro sentido, o Kanban constitui-se basicamente em uma ferramenta inserida no contexto da PCP. Neste sentido, o Kanban substitui as tradicionais ordens de fabricação e montagem (Kanban Interno) e as ordens de compra (Kanban Externo). Porém, é preciso considerar alguns aspectos muito importantes do Kanban enquanto ferramenta de PCP, aspectos estes que o diferenciam muito dos sistemas tradicionais de PCP.

Em primeiro lugar o Kanban constitui-se historicamente na primeira ferramenta de PCP que, objetivamente, busca de forma sistemática e permanente a chamada sincronização da produção. A sincronização da produção busca colocar todos os recursos de manufatura em um ritmo comum estabelecido, tomando como base a real demanda do mercado. Sendo assim, se determinados recursos funcionam com distintas produtividades horárias observar-se-á a formação de estoque (Perdas por Superprodução) típica da produção Just-In-Case. Conforme Taiichi Ohno (1997) no Sistema Toyota de Produção – STP, o Kanban tem por função impedir totalmente as Perdas por Superprodução. Isto ocorre porque o recurso a montante deve fornecer as peças necessárias, no momento necessário, na qualidade necessária e na quantidade necessária para que o recurso a jusante possa dar continuidade à produção. No modelo ideal esta lógica deve prevalecer desde a demanda do mercado, passando pela linha de montagem, as células ou setores de produção até os fornecedores de matérias-primas e materiais.

Em segundo lugar perceber que o Kanban funciona como um sistema de informação que objetiva gerir a produção e os materiais através da interligação  dos vários recursos produtivos dentro de uma determinada Fábrica. Neste sentido, o Kanban é responsável pela logística da Fábrica, mais especificamente um sistema logístico baseado em um sistema de ‘puxar’ a produção via a movimentação de materiais. O Kanban simplifica os sistemas tradicionais de controle da produção (ordens de fabricação, montagem e compras) na medida em que, adotando um controle visual do material que circula na Fábrica, elimina toda a circulação de papéis na estrutura de fabricação.

Em terceiro lugar torna-se necessário ressaltar o papel de controle exercido pelo Kanban. Em uma Fábrica controlada pelo Sistema Kanban, qualquer problema ligado à Programação da Produção ou à Engenharia Industrial/Administração da Produção (por exemplo, quebra de máquinas, problemas de qualidade) será imediatamente percebida na Fábrica. Portanto, ao contrário dos sistemas tradicionais de ordens de fabricação e de montagem, os problemas associados à programação e à Engenharia Industrial/Administração da Produção são rapidamente detectados pelo Sistema Kanban.

Em quarto lugar, o Sistema Kanban apresenta uma grande flexibilidade no que tange a alterações do mix de produção, quando são mantidas as cargas globais do sistema, ou seja, quando os volumes globais de produção permanecem inalterados. Devido à própria característica operacional do sistema quando se modificam os volumes de venda dos produtos, mantida a Demanda Global, o Sistema Kanban responde de forma efetiva às variações da demanda.

Em quinto lugar o Kanban pode ser considerado ‘o nervo autonômico da linha de produção’ na medida em que o sistema de Programação e Controle da Produção funciona baseado exclusivamente nos próprios trabalhadores, sem a necessidade de intervenção dos supervisores e gerentes no dia-a-dia da Fábrica (OHNO, 1997).

Em seu segundo sentido o Sistema Kanban constitui-se em uma poderosa ferramenta de melhorias dos sistemas de produção.

O Sistema Kanban, na medida em que permite observar visualmente os problemas que ocorrem diariamente na produção, “deixa claro o que deve ser feito pelos gerentes e supervisores” (OHNO, 1997, p. 48). As melhorias necessárias apontadas pelo Sistema Kanban podem relacionar-se com temas tais como: qualidade (por exemplo, peças com defeito), Operação-Padrão, melhoria na manutenção das máquinas, redução dos tempos de preparação dos equipamentos, melhoria na capabilidade das máquinas, etc. A busca destas melhorias implica, muitas vezes, na redução do número de Kanbans feita pelos gerentes no intuito de verificar quais os pontos do sistema que serão mais sensíveis à redução dos estoques intermediários. Desta forma, através da utilização gerencial do Sistema Kanban busca-se melhorar continuamente a produtividade e a qualidade da Empresa. 

A partir das discussões acima pode-se dizer, metaforicamente, que o Sistema Kanban parece possuir ‘duas vidas’ independentes e inter-relacionadas: a gestão da Rotina de Programação e Controle da Produção e a gestão das Melhorias nos Sistemas Produtivos. A ‘primeira vida’  do Sistema Kanban os autores do presente trabalho passarão a denominar de Kanban Estrito. A ‘segunda vida’ do Sistema Kanban passará a ser denominada de Kanban Amplo.

4. Kanban Amplo e Kanban Estrito – O Significado da Interdependência no contexto do STP e dos Subsistemas de Gestão dos Sistemas Produtivos


Existem duas interpretações, aparentemente contraditórias, sobre a função do Kanban dentro do STP. São elas:

• A proposição de Taiichi Ohno, o criador do Sistema, caracteriza o Sistema Kanban como o elemento central para a construção do STP;

• A visão de Shigeo Shingo que visualiza o Kanban como responsável por apenas 5% da construção do STP (SHINGO, 1996a).

A visão de Taiichi Ohno (1997) caracteriza o Subsistema de sincronização da produção de acordo com o que, no presente trabalho, foi definido como Kanban Amplo. Isto implica em visualizar o Kanban a partir de uma lógica ampla em dois sentidos:

1) O Kanban utilizado como uma ferramenta de gestão interna do dia-a-dia da Fábrica, ou seja, uma ferramenta de programação da produção e ao mesmo tempo uma ferramenta que permite o relacionamento do dia-a-dia da Toyota com seus fornecedores, ou seja, a programação de entrega de materiais por parte dos fornecedores. Portanto, o Kanban nesta ótica está sendo visualizado e utilizado para a Gestão da Rotina da Empresa.

2) O Kanban utilizado com o intuito de mostrar permanente, sistemática e continuamente os pontos do Sistema de Produção que devem ser aprimorados tanto internamente na Fábrica como na relação de fornecimento externo. Neste sentido o Kanban é visualizado e utilizado como uma ferramenta básica para a Gestão das Melhorias na Fábrica.

Dentro da lógica proposta por Ohno, o Sistema Kanban (Subsistema de sincronia e melhorias do STP) é essencial na medida em que representa concretamente a modificação da ótica de ‘empurrar’ a produção a partir das matérias-primas, para uma ótica de ‘puxar’ a produção a partir da demanda do mercado, de forma mais genérica, e a partir da linha de montagem, observar-se o Sistema Produtivo interno da Empresa.

Uma interpretação necessária da defesa central da obra de Taiichi Ohno consiste em observar que a ampla utilização da lógica do Kanban objetiva gerar uma relação de interdependência ampla entre os diferentes subsistemas internos e externos relacionados com a produção. Esta interdependência constitui-se em um elo fundamental que liga a Ggestão das Rotinas com o das Melhorias no Sistema Produtivo da Toyota.

De acordo com o pensamento de Shingo (1996a) existiria uma confusão conceitual entre os verdadeiros significados do Sistema Toyota de Produção e o Sistema Kanban. Segundo Shingo (1996a) a compreensão usual de um observador comum do STP seria que em 80% dos casos o STP coincide com o Sistema Kanban, 15% que o STP seria um Sistema de Produção e 5% um sistema que visa a radical eliminação de Perdas. Conforme Shingo, o STP deveria ser entendido metaforicamente como “80% eliminação de Perdas, 15% um Sistema de Produção e apenas 5% o Kanban” (SHINGO, 1996a, p. 101).

Para elucidar esta importante questão far-se-á uso do conceito de interdependência originalmente desenvolvido por um autor clássico da Teoria das Organizações chamado Thompson (1967), que posteriormente foi retomado por Arogyaswamy & Simmons (1991) para explicar o funcionamento teórico e prático dos Sistemas JIT de Produção. Thompson (1967), no seu Capítulo versando sobre Tecnologia e Estrutura, propõe que em organizações complexas existem três grandes tipos de relação de interdependência entre as partes de um sistema do tipo sócio-técnico: i) Interdependência Conjunta (Pooled Interdependence); ii) Interdependência Seqüencial (Sequential Interdependence); iii) Interdependência Recíproca (Reciprocal Interdependence).

Na interdependência conjunta cada parte do sistema dá uma contribuição discreta ao todo da organização. Segundo Arogyaswamy & Simmons (1991), a saída de duas ou mais entidades é um pouco mais que sua soma. Por exemplo, a melhoria em agências específicas de um dado banco contribui para o sistema como um todo, porém não existem dependências amplas entre as agências. Do ponto-de-vista dos Sistemas Produtivos um bom exemplo ocorre quando entre duas atividades operacionais A e B colocam-se grandes estoques em processo. Desta forma, as atividades operacionais A e B podem aparentemente ser gerenciadas de forma praticamente independentes. Assim, se A fornece para B e ocorrerem problemas na operação A (por exemplo, a operação A pára devido a problemas de manutenção) provavelmente o desempenho de B não será afetado. Isto cria a “...ilusão de que um produto é meramente a soma dos vários processos envolvidos” (AROGYASWAMY & SIMMONS, 1991, p 57).

A interdependência seqüencial existe quando é possível determinar uma clara relação temporal de dependência entre os subsistemas. Conforme Arogyaswamy & Simmons (1991), a interdependência seqüencial existe quando cada operação é dependente das entradas de uma ou mais de uma das operações precedentes. Por exemplo, se uma dada linha de montagem M recebe vários subcomponentes S1, S2, S3,..., SN, pode-se dizer que há uma interdependência seqüencial entre a linha de montagem e seus diversos fornecedores internos e externos.

Uma terceira forma de interdependência é a chamada interdependência recíproca. Neste caso, observa-se que a relação entre dois subsistemas ocorre de forma bilateral. Um exemplo proposto por Thompson (1967) é claro neste sentido. Thompson (1967) propugna que a relação que existe em um avião entre a operação e a manutenção caracteriza uma relação de interdependência recíproca. A forma de operação da aeronave é uma entrada para a manutenção e, por sua vez, as condições de manutenção da aeronave constituem-se em uma entrada para a operação. Do ponto-de-vista dos Sistemas Produtivos um exemplo típico de interdependência recíproca são os chamados ‘sistemas de puxar’ a produção. Arogyaswamy & Simmons (1991) exemplificam a situação na Figura 1.

Figura 1 - O sistema de ‘puxar’ e a interdependência recíproca (Extraído de Arogyaswamy & Simmons, 1991).

Na Figura 1 pode-se observar que enquanto B é dependente de A no que tange ao recebimento físico de materiais, A é dependente de B no que se refere ao recebimento das informações necessárias para indicar ‘o quê’, ‘quanto’ e ‘quando’ produzir.


Finalmente, cabe ressaltar uma observação de Thompson (1967) sobre a relação entre as distintas formas de interdependência.

A relação entre as distintas formas de interdependência segue a lógica da escala do tipo Guttmann. Do ponto-de-vista dos Sistemas de Produção, organizações que trabalham na égide do JIC (Just-In-Case) de empurrar a produção, apresentam interdependência seqüencial (e, portanto, conjunta) porém apresentam de forma débil ou inexistente a interdependência recíproca. Já os sistemas do tipo STP estimulam a interdependência recíproca. O Kanban é uma ferramenta absolutamente essencial neste sentido.

Desta forma, é interessante propor um maior detalhamento e explicitação do Esquema Geral Proposto para o STP. Dois pontos essenciais devem ser esclarecidos:

a)Existe, quando do funcionamento do Kanban na lógica de Rotina (Kanban de Produção e de Movimentação), um completo inter-relacionamento recíproco entre os postos de trabalho. Este inter-relacionamento refere-se basicamente à lógica da programação da produção, ou seja, à relação entre o fluxo de informações e de materiais no chão-de-fábrica. Isto é assegurado pelo Kanban. Desta forma o sistema de programação da produção do STP funciona todo na lógica da interdependência recíproca. A gestão do dia-a-dia da Fábrica é visual de tal forma que os problemas são rapidamente visualizados.

b)A dinâmica das melhorias no STP é realizada via uma lógica de interdependência recíproca. Assim, é preciso deixar claro que no STP não existe uma lógica linear de, primeiramente trabalhar nos diferentes Subsistemas de produção (Subsistema de pré-requisitos básicos, quebra-zero, defeito-zero), para só depois implantar o Kanban. Ou seja, não existe uma lógica seqüencial de melhorias como pode parecer observando o esquema geral do STP proposto. Pelo contrário, a idéia de ‘puxar’ a produção é que irá mostrar de forma incremental e contínua a necessidade de melhorias nos demais subsistemas de produção. Desta forma é preciso interpretar a lógica do Kanban como:

i. ‘Puxar’ a produção de um ponto-de-vista da programação da produção. Se o Kanban for utilizado somente neste sentido, ou seja, o da sincronização do dia-a-dia, pode-se afirmar que existe o uso do Kanban Estrito. Neste caso, não só o Kanban será utilizado de forma restrita como em muitos casos ele irá falhar (ou seja, os estoques globais da Fábrica irão subir e não decrescer) porque os pré-requisitos de sua implantação não estarão dados na medida em que os Subsistemas de Pré-Requisitos Básicos, de Quebra-Zero das máquinas e do Defeito-Zero dos produtos são muito incipientes e não são rápida e metodicamente melhorados (CERONI & ANTUNES, 1994).

ii. ‘Puxar’ de forma contínua as melhorias nos demais subsistemas de gestão, ou seja, uma vez visualizados os problemas do dia-a-dia via as sinalizações propostas pelo Kanban, do ponto-de-vista da linguagem utilizada por Goldratt (1996) estas sinalizações ocorrerão junto aos gargalos de produção (restrições do tipo estrutural) ou nos chamados Recursos com Capacidade Restrita – CCRs (restrições do tipo conjuntural ou de gestão dos recursos no dia-a-dia da Fábrica), ações imediatas são executadas utilizando as ferramentas dos demais Subsistemas de gestão (Pré-Requisitos Básicos, Quebra-Zero de máquinas, Defeito-Zero de produtos) e também, se necessário, melhorias nos processos de fabricação. Se o Kanban for usado neste sentido, o proposto historicamente por Taiichi Ohno, pode-se afirmar que está sendo utilizado o Kanban Amplo. Cabe ressaltar que todas as Empresas que adotam o Kanban Amplo (Gestão das Melhorias), por definição estão adotando o Kanban Estrito para realizar a sincronização no dia-a-dia da Fábrica (Gestão das Rotinas).

Assim, o Kanban estimula, cria e é capaz de gerir uma ampla relação de interdependência recíproca nos Sistemas Produtivos de Indústrias de Forma do tipo A, englobando: i) Inter-relação entre o sistema físico e o de informações (programação e sincronização); ii) Inter-relação entre as modificações físicas necessárias para melhorar continuamente os Sistemas de Produção e as informações que indicam os pontos específicos onde estas melhorias devem ser efetivadas (Gestão da Melhoria contínua dos gargalos e dos CCRs).

5. Considerações Finais


A partir do desenvolvimento do presente artigo, pode-se afirmar que a visão de Ohno, na medida em que privilegia uma ótica do Kanban Amplo (Subsistema de Sincronização e Melhorias), é holística e sistêmica. A execução das melhorias físicas obviamente não será feita pelo Kanban, dado que ele constitui-se apenas em um sistema de informações capaz de estabelecer uma ampla interdependência recíproca nos Sistemas Produtivos, mas sim pela ampla e radical eliminação das Perdas. Neste sentido particular, o da execução das melhorias, Shingo tem razão em dizer que 80% do STP relaciona-se com a eliminação das Perdas, na medida em que as ações serão diretamente voltadas para a eliminação de Perdas sinalizadas como problemáticas dentro da lógica do Kanban Amplo.

Na concepção de uma estratégia completamente voltada às melhorias contínuas, a lógica do Kanban Amplo, proposto por Ohno, representa o centro nevrálgico do STP. A genialidade de Ohno na Toyota foi, sem deter o amplo ferramental de informática hoje amplamente disponível no mercado, criar um Sistema de Produção onde a relação de interdependência recíproca tenha sido efetivada do ponto-de-vista prático.

Desta forma, os autores buscaram apresentar as principais considerações acerca do Sistema Kanban, ressaltando os aspectos de gestão envolvidos com o tema. Assim sendo, parecem estar claras as duas lógicas nas quais os Sistema Kanban está embuído, ou seja, em um primeiro sentido tem a finalidade de Gestão das Rotinas da Empresa e, em um segundo e mais amplo sentido, atem por essência conceitual realizar a Gestão das Melhorias na Fábrica.

6. Referências


AROGYASWAMY, B. & SIMMONS, R.P. (1991) – Thriving on Interdependence: The Key to JIT Implementation. Production and Inventory Management Journal, Third Quarter, p. 56-60.

CERONI, S. & ANTUNES, J. A. V. (1994) – Implantação do Sistema ‘Kanban’ e o Gerenciamento de seus Pressupostos Básicos: Um Estudo de Caso. Anais do XIV Encontro Nacional de Engenharia de Produção - ENEGEP, João Pessoa, Paraíba.

GOLDRATT, E. M. (1996) – A Síndrome do Palheiro - Garimpando Informações num Oceano de Dados. Editora Educator, São Paulo.

JPA – Japan Management Association. (1989) – Produtividade & Qualidade no Piso de Fábrica. Editora do IMAM, São Paulo.

MOURA, R. (1992) – Kanban - A Simplicidade do Controle de Produção. Editora do IMAM, São Paulo.

OHNO, Taiichi. (1997) – O Sistema Toyota de Produção – Além da produção em larga escala. Editora Bookman. Porto Alegre.

SHINGO, Shigeo. (1996a) – O Sistema Toyota de Produção – Do ponto de vista da Engenharia de Produção. Editora Bookman. Porto Alegre.

THOMPSON, J. D. (1967) – Organizations in Action. London, Editora Mac Graw Hill.

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